Eleh é um projeto de música eletroacústica que mantém
completo segredo a respeito da(s) identidade(s) do(s) artista(s). A discografia
do Eleh começou em 2006, com o vinil Floating Frequencies/Intuitive
Synthesis I, lançado em 400 exemplares pela Important. Entre 2007 e 2009 o
projeto lançou mais dez discos, pelas gravadoras Important, Taiga e Touch,
alguns em formato split com Pauline Oliveros, Sun Circle e Nana April Jun. O
único dado objetivo a respeito do grupo está no site da Important: “O Eleh foi
criado especificamente para prestar homenagem a compositores minimalistas
pioneiros como LaMonte Young, Terry Riley, Eliane Radigue, Pauline Oliveros e
Charlemagne Palestine”, e que as peças são feitas com um sintetizador analógico
enorme e com osciladores. Location Momentum é o primeiro álbum
do Eleh lançado em CD. (RG)
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Para além da aura de mistério que circunda os lançamentos do
grupo, em edições limitadíssimas em vinis de 200g, e do total segredo quanto à
identidade de seus conceptores, a própria música do Eleh já é uma enorme fonte
de interrogação. Ela é inteiramente composta de encontros de texturas e
frequências, e sua extrema repetição com pulsos ou sinais contínuos é um
convite a estados de transe ou viagens metalisérgicas de desorientação
espaço-temporal. Mais ainda, ela espanta pela incrível austeridade na escolha
dos elementos e na seleção das variações que acontecerão ao longo da duração e
pelo trabalho com os tons puros que parece nos transportar, uma vez envolvidos,
a um metro do chão. Mas o que mais impressiona – e aí sim o que diferencia o
trabalho do Eleh de suas fontes inspiradoras no trato com os sintetizadores
analógicos – é o insistente e colossal trabalho operado com frequências graves
e subgraves, que em níveis de volume alto ocasionam uma experiência tão física,
táctil, quanto auditiva, e que provocam no ouvinte uma sensação absolutamente
paradoxal de estar entre o transe e o confrontativo. Dá pra ver que a coisa não
é mole.
Para fins de simplificação, o efeito é um pouco como uma
versão dub de Acid in the Style of David Tudor, de Florian Hecker:
mesmo choque de sons que “não são música” ordenados de forma espantosa e sem
previsibilidade, mesmo tipo de choque entre grave e agudo, menos os efeitos de
estéreo, mais o pujante trabalho com as baixas frequências que dá a aparência
“dubby” ao som do Eleh. Em comum, a percepção é que são duas experiências
sonoras absolutamente arrebatadoras que deixam o ouvinte abismado primeiro pelo
estranhamento, e segundo pela minuciosa lógica de pesquisa e composição exposta
no resultado final, de uma perfeição tão brutal quanto extravagante.
“Heleneleh” é das cinco faixas do disco aquela que apresenta
menos variações perceptíveis e contrastes violentos. É quase um mantra em ondas
de baixa frequência que se sobrepõem ou se excluem em nossos ouvidos, causando
a percepção de um único drone denso com microvariações de pulso e textura, até
que dá a louca no final e somos pegos de surpresa por intervenções que quebram
o contínuo que se estabelecia até aí. “Linear To Circular/Vertical Axis” é uma
faixa curta que mostra sons sendo tragados; o efeito mental que se constrói é
de buracos negros de som em replay de câmera lenta. O disco atinge o auge nas
faixas 3 e 4: “Circle One: Summer Transience” trabalha o contraste entre um
drone de frequência extremamente alta, estridente, e pulsos de subgrave que
parecem pisadas apressadas de gigantes, até que lá pelo meio da faixa chiados e
outros sonzinhos vêm encher o “arranjo”, e a sensação é a de uma música industrial
(de Throbbing Gristle a Alva Noto) que é ao mesmo tempo absolutamente
celestial; “Observation Wheel”, por sua vez, soa como um inferno tortuoso de
drones doom e glitch generalizado, com chiados insistentes, estalos e pulsos de
subgrave que parecem ondas de feedback, pairando entre Pan Sonic e o Kevin
Drumm da fase drone. “Rotational Change For Windmill” fecha o disco sendo a
faixa de maior variação, começando com um pulso acutíssimo que começa acelerado
e vai desacelerando ao passo que um drone de grave vai alterando texturas; em
dado momento a frequência aguda some de vista e temos um banho de grave que
passa a ser acompanhado por chiados crescentes, até que ao final da faixa
irrompem graves que parecem urros de animais em modulação sempre distinta, engolindo
aos poucos o resto dos sons. Volta-se ao modo “buraco negro” da faixa 2. Fim.
Depois que a gente ouve e digere Location Momentum,
a aura de mistério que ronda a entidade Eleh pouco importa. Diante desse objeto
inqualificável, ao mesmo tempo doce e violento, metódico e selvagem,
psicodélico e travado, reunindo tanta coisa autoexcludente – noise, música de
meditação, música eletroacústica, drone, Alva Noto, Eliane Radigue –, claro
está que nada será mais assombroso e envolto em mistério do que a música concebida
pelo Eleh. E Location Momentum é fácil uma das coisas mais
brilhantes e distintas sendo feitas hoje em dia. (Ruy Gardnier)
* # *
1. Minimalismo, anonimato, silêncio, tecnologia, drones,
esculturas e paisagens sonoras: elementos próprios a um trabalho desenvolvido
na seara da música eletrônica contemporânea em suas mais diversas vertentes,
mas que recebem um tratamento extremamente idiossincrático no projeto Eleh,
capitaneado por um ou mais indíviduos misteriosos, homens ou mulheres, que,
segundo consta, “preferem que os álbuns falem por eles mesmos”. A curva que
leva dos discos de vinil até o lançamento do primeiro CD, Location
Momentum, exibe alterações de rumo frente aos inaugurais Floanting
Frequencies, série caracterizada por sutis extrações e manipulações
prolongadas de espessas camadas de sinais senoidais. Aos poucos a densidade foi
cedendo lugar a uma exploração maior não só de nuances e texturas, mas também
de aspectos rítmicos, sobretudo nas modulações acidentadas deRetreat e Return,
ambos de 2009. Não que o autor trocasse uma inflexão por outra, mas, a julgar
porHomage to The Sine Wave, lançado em 2009, essas vertentes passaram a
coexistir em seu trabalho.
2. Portanto, a primeira observação a ser feita em relação
a Location Momentum é a de que o álbum me parece uma espécie
de síntese de seu trabalho até então, um recenseamento das características mais
fortes e perceptíveis, entre uma “fase” mais direta, na qual o volume importava
mais que a textura, e um segundo momento prenhe de uma linguagem mais
diversificada, que podemos situar entre os trabalhos recentes na área do drone,
do noise e a inflexão fragmentária pós-Raster Noton presente nos últimos discos
de Monolake e Paul Baran.
3. Trata-se de uma obra pensada a partir do resultado de
determinadas pesquisas, o que nos permitiria precisar os passos e elementos
desta curva, bastando elencá-las uma a uma. Porém, este procedimento
permenecerá insuficiente se não situarmos a grandeza de Location
Momentum dentro de seu significado mais abrangente, o que por um viés
contraditório se exprime através de uma personalidade musical incomum, que
planeja acuradamente sua sonoridade no mesmo passo que persegue o anonimato –
de tal forma que não o conhece até mesmo os responsáveis pelos selos através
dos quais lança seus álbuns… Uma personalidade forte que se opõe ao “culto da
personalidade”…
4. Digo isso porque o que faz com que o primeiro CD do Eleh
seja, desde já, uma dos mais intrigantes lançamentos desse ano na seara do
eletrônico, é justamente esta combinação entre dois caminhos, dois formatos,
que se entrelaçam em uma unidade ambígua. Poderíamos considerar primeiramente o
isolamento, isto é, de como uma precaução em relação ao oba-oba mercadológico
cria um contexto monástico onde, à moda de Hecker, se desenrolam as mais
inusitadas relações sonoras; por outro lado, poderíamos sublinhar a imensa
generosidade, a visão comunitária que agracia o ouvinte através de um cuidado,
de uma forma bastante peculiar de entrega. Entrega esta que Eleh espera do
mesmo ouvinte, desafiando-o em cada passo, conduzindo-o para o interior de uma
força expressiva ao mesmo tempo bruta (os sinais) e sofisticada (sua
manipulação).
5. A primeira faixa, “HeleneleH”, pode ser identificada com
os primeiros elepês e com as “homenagens” de 2008 e 2009. A emoção que esta
faixa aparentemente sem emoção evoca, advém das passagens de uma frequência a
outra, nas quais se altera o “tom” do sinal, e também se demonstra um
verdadeiro domínio do tempo em que essas mudanças ocorrem. No fim, as mudanças
se aceleram, se tornam mais radicais. Mas não tão radicais quanto os rompantes
de “Linear To Circular / Vertical Axis”, a faixa mais curta do álbum, e até por
isso a mais concentrada em termos de alterações abruptas. “Circle One: Summer
Transcience”, faixa que considero a mais interessante, também opera por
rompantes, diluídos porém em seus pouco mais de treze minutos, mais econômicos
e menos abruptos, sobrepondo o ritmo marcado, semelhante ao tic toc do relógio,
com o fio sonoro, hiper agudo, que percorre toda faixa, eventuamente
entrecortado por sons semelhantes a um aerosol. Lá pelo oitavo minuto, o ritmo
cessa e, adiante, uma nuvem noise cobre toda a faixa por alguns segundos, para
finalizar novamente com o agudíssimo apito. As duas últimas faixas, “Observation
Wheel” e “Rotational Change For Windmill”, já começam se utilizando de uma
prerrogativa noise mais pronunciada, e se pode até dizer que são as que mais
acrescentam ao repertório de Eleh. Dois exemplares do que há de mais acidentado
e rascante no drone atual.
6. Podemos tentar compreender o trabalho de Eleh de um ponto
de vista “histórico”, mostrando por á mais bê que Location Momentum representa
a culminância de um processo, ou pelo menos um acabamento parcial, momentâneo.
Me parece uma solução legítima, mas digamos que o ouvinte não se rendesse a
este procedimento e buscasse na obra mesma sua força e vitalidade singulares.
Neste caso, imagino, ele seria tomado por um espanto, por uma sorte de
encantamento e estranheza que, em primeiro lugar, ressaltaria a maturidade do
trabalho, e depois, os estranhos estados mentais que ele evoca, mas também o
odor de hospital e laboratório que pesa sobre cada faixa. Peso na concepção,
frescor no resultado geral, mas sobretudo, criação de uma sonoridade letárgica,
minimalista e, ainda assim, surpeendentemente vivaz. (Bernardo Oliveira)
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