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quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Rosenfeld & Guinsburg - Romantismo e Classicismo

http://www.miniweb.com.br/literatura/artigos/Rom_Class.pdf

ROMANTISMO E CLASSICISMO
Anatol Rosenfeld / J. Guinsburg
O Romantismo é, antes de tudo, um movimento de oposição violenta ao Classicismo e à época da Ilustração, ou seja,àquele período do século XVIII que é tido, em geral, como o da preponderância de um forte racionalismo. Embora o mesmo contexto temporal apresente outros aspectos não menos marcantes, está mais ou menos estabelecido o consenso de que se trata de um século cuja característica maior é a da “Iluminação”, do “Iluminismo”, como dizem alguns, ou ainda das “Luzes”, por causa do vulto que nele tomam as idéias racionalistas. Enfocadas e defendidas por uma plêiade de pensadores brilhantes, como Voltaire, Diderot, os Enciclopedistas, Rousseau, traduzem, na sua luta "esclarecedora” contra o
“obscurantismo”, a “ignorância", o “atraso”, a “irracionalidade”, não só o engenho e o espírito lúcidos de seus paladinos, como as aspirações de uma classe e mesmo de uma sociedade emergente, constituindo-se num dos principais fermentos, no plano ideológico, para a eclosão da Revolução Francesa.

O movimento romântico, entretanto, recusa a cosmovisão racionalista e a estética neoclássica a ela ligada. Para precisarmos as linhas do choque que assim se produziu, convém dizer algo sobre o conceito de Classicismo. O termo vem de classis, “frota”, em latim, e refere-se aos classicis, aos ricos que pagavam impostos pela frota. Um escritor “classicus" é pois um homem que escreve para esta categoria mais afortunada e mais elevada na sociedade. Tal foi o sentido inicial, como aparece em Áulio Gélio, fonte da primeira menção que se tem da palavra: ela significa aí um autor de obras para as
camadas superiores. Depois o vocábulo sofreu várias transformações, passando a designar um valor, estético, ético, mas principalmente didático: um escrito "clássico" veio a ser uma composição literária reconhecida como digna de ser estudada nas “classes" das escolas. Nesta acepção, o termo é muito usado para vários fins. Por exemplo, a gente compra determinadas obras porque são consideradas modelares e, como tais, indispensáveis numa biblioteca. Entretanto, do ponto de vista estilístico, é possível que seu autor seja romântico e não clássico. Um terceiro significado que se impôs, ligado ainda ao segundo, diz respeito ao período em que a literatura, as artes, a cultura de uma nação ou de uma “civilização” alcançam um grande florescimento ou então o seu apogeu. Assim, fala-se do Século de Ouro na Espanha como de uma “época clássica" do gênio hispânico ou de Shakespeare como do “escritor clássico" da língua inglesa, embora do ponto de vista artístico semelhante designação não lhes caiba de maneira nenhuma.

Por fim, temos o nexo que nos incumbe definir mais de perto, ou seja, o conceito estilístico do que vem a ser “clássico"
ou “classicismo”. Sob este ângulo, a referência, é a princípios e obras que correspondem a certos preceitos modelares, os
quais, por seu turno, derivam de certa fase da arte grega e a tomam como padrão. Essa codificação ocorreu
principalmente no Renascimento. Foi então que a redescoberta da antigüidade Greco-Latina ou, como passou a chamarse, “Clássica”, a revalorização de suas produções intelectuais e artísticas, conjugando-se com um extraordinário surto da criatividade italiana e até européia, puseram novamente na ordem do dia o pensamento e os problemas estéticos. Nesse campo, foi de particular importância o reencontro e a tradução direta do grego dos textos subsistentes da Poética de Aristóteles, bem como o trabalho crítico efetuado, entre outros, por Scaliger e Castelvetro. Com base nas elaborações desses comentadores surgiu a idéia de  que os princípios fundamentais depreendidos da prática e da teoria helênicas constituíam um non plus ultra de todo o fazer artístico, os cânones imutáveis das condições e procedimentos que geram a obra de arte. Na medida em que, a certa altura da história cultural de determinados países, sobretudo na França, tal
concepção tornou-se dominante e mesmo normativa, em função de um surto criativo que produziu trabalhos notáveis em vários campos da arte, ela deu origem ao período “clássico” do “classicismo” europeu, tendo a sua influência e o poder de suas regras se espalhado no mundo ocidental, inclusive sob a forma de um “neoclassicismo” que prevaleceu durante o século XVIII e fez par com o racionalismo ilustrado. Nestas condições, se se levar em conta que até o Barroco nutriu pelo menos intenções classicizantes, só com o Romantismo se estruturou um movimento que se atreveu  reptar oposição abertamente e em seus fundamentos a perspectiva instaurada pela Renascença. Tudo o mais foi moldado e remoldado segundo a visão clássica.

No que se baseou tão cerrada presa artística?' Quais são os seus princípios? De acordo com Croce, em sua Iniciação à
Estética, o Classicismo se distingue fundamentalmente por elementos como o equilíbrio, a ordem, a harmonia, a
objetividade, a ponderação, a proporção, a serenidade, a disciplina, o desenho sapiente, o caráter Apolíneo, secular, lúcido
e luminoso. É o domínio do diurno. Avesso ao elemento noturno, o Classicismo quer ser transparente e claro, racional.  E
com tudo isso se exprime, evidentemente, uma fé profunda na harmonia universal. A natureza é concebida essencialmente
em termos de razão, regida por leis, e a obra de arte reflete tal harmonia. A obra de arte é imitação da natureza e, imitando-a, imita seu conceito harmônico, sua racionalidade profunda, as leis do universo.

Outro aspecto relevante é o disciplinamento dos impulsos subjetivos. O escritor clássico domina os ímpetos da
interioridade e não lhes dá pleno curso expressivo, De certo modo, pode-se considerar que ele se define precisamente por
esta contenção. A obra de Racine é um exemplo de uma escritura em que as paixões veementes e as tremendas
dissonâncias do Barroco foram, por assim dizer, no plano da expressão, domadas por uma forma clássica.

Há evidentemente, nesse domínio, certa autolimitação. O autor desaparece por trás da obra, não quer manifestar-se. Ou
melhor, seu desejo manifesto é o de ser objetivo. A obra é o que vale como tal e não pelo que ela diz de seu criador. Ela é
uma comporta fechada e não aberta. Tal fato exige uma maneira de formar rigidamente ligada ao objeto ou à idéia que se
tem dele. Daí a importância dos procedimentos que exumem um caráter de regras. Na medida em que se enquadra em tais leis, a obra é boa, “clássica". É o caso das “três unidades” na dramaturgia. Julga-se que elas determinam a exemplaridade
de uma peça.

Ao mesmo tempo, vigora no Classicismo uma rígida separação das artes: elas não se confundem, cada uma obedece a
seus próprios ditames. De igual modo, dentro da literatura, cada gênero tem suas leis específicas. A poesia lírica não deve
valer-se do padrão épico e este não se confunde com a poesia dramática. A cada gênero correspondem preceitos especiais
e a confusão entre os vários tipos de composição é tida como um grave defeito. A obra deixava de ter o valor que poderia
alcançar se não se conformasse exatamente às regras dos respectivos gêneros.
Relevante também é a lei da tipificação: a arte clássica não quer diferenciar e individualizar, seu propósito é sempre
chegar ao geral e ao típico. Na pintura e na escultura, sua busca é a do universal. Na literatura, esquiva-se de descer a
distinções psicológicas, muito minuciosas. Em todas as suas formas de expressão, tenta fixar o universalmente humano.
Trata-se de um princípio fundamental do Classicismo, já estabelecido nitidamente na dramaturgia por Aris-tóteles, mas
com validade para todas as outras artes.

Numa ordem similar de diferenciação, os clássicos separam igualmente os estilos. Há um estilo alto, de que faz parte, na
dramaturgia, por exemplo, a tragédia. Esta espécie de peça não pode recorrer a palavra de extração inferior, devendo ser
plasmada e escrita segundo o elevado contexto estilístico que lhe é pertinente. A comédia, por seu turno, exige um padrão
médio de composição, enquanto a farsa há de ser escrita em estilo baixo. Os mesmos preceitos estilísticos, racionalizados
e canonizados, imperam nas demais formas da produção artística, uma vez que o efeito visado é sobretudo o da clareza e
regularidade.

Mais um aspecto, que deflui logicamente de tudo quanto já foi dito, é que no Classicismo o valor estético reside na obra, e
somente nela. Por trás da arte, deve desaparecer o artista. Sem ser um anônimo mestre ou oficial, este trabalha quase
como um artesão, seguindo as regras estabelecidas, às quais se conforma e se ajusta humildemente. Uma obra, por sua
vez, sendo basicamente um autovalor, deve por si fazer-se valer esteticamente, perante o público: Mas não para
comunicar-lhe apenas a beleza. O efeito da obra terá de ser “dulce et utile”, como diz Horácio. Isto é, além de suscitar
reações aprazíveis, ela deve trazer proveitos de natureza prática, sobretudo didática. Na verdade, segundo a visão
classicista, a obra será tanto mais realizada quanto maior o seu poder de veicular, através da bela e suave revelação da
forma, ensinamentos e verdades que elevem o conhecimento e contribuam para o aperfeiçoamento do gênero humano.

Nesta conexão, recebe particular destaque o efeito moral do produto artístico. Embora quase todos os grandes poetas e
artistas – Dante e Shakespeare não menos do que Corneille e Racine – sejam de opinião que a obra de arte tem uma
função importante, antes de tudo ética, pois deve enobrecer o homem, purgando-o da carga de paixões que ele acumula na
vida social e não consegue descarregar, o Classicismo lhe dá um relevo específico, vinculando-o à boa “forma”, capaz de
falar à razão.

Estabelecido em termos gerais o modelo clássico, pode-se vislumbrar melhor contra que tipo de arte o Romantismo dirige
suas armas. Tente-mos agora discernir alguns dos elementos que irão caracterizar a nova corrente. A palavra designativa
surge em meados do século XVII, sobretudo na França e na Inglaterra, sendo-lhe dado inicialmente um sentido
pejorativo, pois, em meio a um mundo clássico, destina-se a qualificar um gênero de relato ficcional meio disparatado,
absurdo, cheio de lances heroicos e fantásticos, onde há muitas peripécias de amor e aventura, que ainda hoje certamente
chamaríamos de “romance”.

Numa época em que a atmosfera cultural, no que ela tem de melhor, é marcada pelos “espíritos bem pensantes”, não é de
surpreender que haja pouquíssima compreensão e mesmo condescendência para com tipos de arte considerados inferiores
e vulgares. Por isso é com escárnio que se vê o romance cujo barroquismo, na sua mescla folhetinesca do pícaro e popular com o sentimental e lendário, já encerra numerosos elementos romantizantes.

Mas, pouco a pouco, aplicado sobretudo a personagens, o termo começa a impor-se e a perder sua conotação negativa.
Uma lenta transformação do gosto deixa de favorecer as figuras bem proporcionadas e as vistas bucólicas, para destacar,
por exemplo, as solitárias, selvagens e melancólicas paisagens inglesas que recebem o nome de “românticas”, como que
se contrapondo à paisagística serena e composta, de linha “clássica” francesa.

Entre os antecedentes do movimento romântico, também é digna de nota a onda de sentimentalismo burguês que se
espraia pelo século XVIII. Um tom intensamente emotivo, que extravasa em especial dos romances ingleses de
Richardson, Sterne, Goldsmith, invade a literatura européia. O jovem Goethe, tal como ele próprio se descreve mais tarde
em Dichtung und Wahrheit (“Poesia e Verdade”), chora sobre estes romances. E não só ele, pois na mesma obra, que é
um grande panorama da vida intelectual alemã na segunda metade do século XVIII, vê-se como todo mundo o acompanha
nesse choro. O pranto é geral. As lágrimas umedecem boa parte da correspondência daquela época. Assim, quando
Wieland, o poeta exponencial do rococó alemão, volta à cidade natal, após dez anos de ausência, e encontra a namorada
de sua juventude, os dois estacam à distância de uma dezena de metros um do outro, estremecem e se entreolham
longamente; depois, ela dá alguns passos à frente e ele retrocede, ela abre os braços, ele se precipita ao seu encontro e cai,
ela o levanta, os dois enfim se beijam e choram abundantemente um nos braços do outro. Mas as lágrimas têm vez
outrossim na França da Ilustração, onde surge a comédie larmoyante, de Destouche e Diderot. Aliás a tragédia burguesa,
um gênero de peça que começa então a ser cultivado, é também extremamente sentimental. E o caso de Miss Sara
Sampson, de Lessing, texto escrito em 1755 e que constituiu o primeiro êxito do autor. Segundo as descrições da época, o
público se comovia a tal ponto com o cruel destino da pobre moça, raptada, seduzida e envenenada, que se desfazia em lágrimas, horas a fio. Não menos lamentos terá provocado o romance de Goethe, Os Sofrimentos do Jovem Werther, uma
das mais lídimas expressões dessa corrente sentimentalista.

Outro fator que também pesa nas origens do Romantismo é um surto de pietismo que, na Alemanha, de então, se coloca contra a ortodoxia protestante oficial, extremamente racional. De
forte teor místico, recusa os padrões objetivos da religião, pregando a experiência fervorosa. Importa-lhe sobretudo a
vivência religiosa que se processa na intimidade subjetiva do indivíduo e que o conduz, pelo exercício intenso e sincero
da emoção e do sentimento devotos, ao êxtase e à contemplação beatíficas.

É claro que no contexto desse misticismo pietista o acento da religiosidade se desloca de fora para dentro. A espera do
momento de iluminação que deverá revelar-lhe algo da graça divina, o crente passa a vida observando-se, numa autoanálise constante e minuciosa. Com isso, vai psicologizando naturalmente a práticas religiosa, senão a própria religião.
Ora, além de cruzar-se no tempo com um movimento dessa natureza, o Romantismo privilegia, ainda que por via antes
artística e secular, tendências e buscas similares cujo foco e âmbito preferenciais também se situam no interior do sujeito,
de seu ego e mundo psíquico, e que também desembocam, com grande freqüência, em aspirações e indagações religiosas.
Mais ainda, não há de ser mero acaso ou coincidência que um dos principais precursores da corrente romântica tenha sido
Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), calvinista convertido ao catolicismo e depois reconvertido ao credo protestante.

O que distingue Rousseau e o transforma em fonte inspiradora da escola romântica é o seu profundo pessimismo no
tocante à sociedade e à civilização. Ele não acredita nem em uma nem em outra, estabelecendo o postulado de uma
natureza humana primitiva, que vai sendo corrompida pela cultura. Mas não só ela, como também a propriedade, fonte da
desigualdade entre os homens, contribuem para que o ser originalmente puro e inocente se perverta no contexto da
civilização e da sociedade. Por isso Rousseau exalta a simplicidade da criação. A voz da alma e da consciência,
particularmente consciência religiosa, deve sobrelevar os ensinamentos da civilização, que em geral nada valem, segundo
o pensador genebrino. Daí ressalta, evidentemente, a imagem do bom selvagem, ser íntegro e primitivo, que deve figurar
como ideal para o homem corrompido pela sociedade

Tal concepção rousseauniana irá gerar, como se sabe, o interesse romântico pelo exotismo e pelo indianismo. Pois, estando
no encalço do homem em estado "natural", o Romantismo se põe a procurá-lo na América e em outras regiões que se
distinguiam ainda pela presença do assim chamado “selvagem” ou “indígena" pela diferença acentuada de seu modo de vida
“bárbaro” e “bizarro” em relação aos padrões europeus e acidentais.
Mas a caça à pureza e à inocência não é uma aventura que se desenvolve apenas no âmbito da geografia. Ela também se
embrenha na vida social, trazendo uma nova luz sobre elementos até aí relegados a uma obscuridade quase total. É o caso da
criança e do jovem que começam a ser valorizados a partir da idéia que se acham mais próximos da natureza virginal,
porquanto, nos termos de Rousseau, ' o que sai das mãos do Criador das coisas é bom e tudo se perde nas mãos do homem”.
Nestas condições, compreende-se a exaltação do mundo infantil e da mocidade. E preciso deixá-los como são, evitar
infectá-los com artifícios e os males da sociedade. A regra cativa é, para o autor de Émile ou De L’Education, a ausência
de regra. Trata-se de não corromper a jovem vida, deixar que se expanda à vontade, desabrida e selvagem, caprichosa. O
homem deve realizar-se na criatividade e na sensibilidade. A inspiração instantânea, a centelha intuitiva é o verdadeiro
guia de seu aprendizado ou, para dizê-lo com as palavras de Rousseau: “O capricho do momento é que me ensina o que
eu devo fazer”, e não a razão.

Anseios análogos também instigam, ao lado de outras motivações, sem dúvida, o enorme interesse pela canção popular
que então se verifica em diferentes países, mas principalmente na Alemanha e na Inglaterra. Todo um movimento de
retorno à "alma” do povo, às suas fontes de criação, de onde proviria efetivamente a beleza autêntica e a grande arte
significativa, suscita a pesquisa que acabou constituindo as bases da ciência do folclore.

A nostalgia do primitivo e do elementar, que é um dos traços fundamentais da romantismo, liga-se ainda a uma outra
característica que ela traz consigo: o culto do gênio original. A questão começa a colocar-se com Edward Young, em suas
Conjecturas sobre a Composição Original, e com Edward Wood, nos Ensaios sobre o Gênio Original e os Escritos de
Homero, cujas concepções sobre Shakespeare e Homero causaram, segundo E. R. Curtius, forte impressão no jovem
Goethe e fizeram-se sentir na corrente do Sturm und Drang. Na verdade, o emocionalismo pré-romântico traz em seu bojo
um novo modo de entender o poder de criação artística e o seu criador. Não se trata mais da habilidade e do produto do
homem de in-geniu, isto é, do “engenhoso” capaz de compor sabiamente uma obra de arte, como quer a visão classicista.
Agora, trata-se de um verdadeiro demiurgo, de uma força cósmica, inata, independente da cultura, que decifra de maneira
intuitiva e direta, o “livro da natureza”, criando titanicamente sob o impacto da inspiração. A sua criação é fruto da pura
espontaneidade. Não pode nem deve ser retocada, torneada e acabada, por critérios artesanais de perfectibilidade. Ela
surge toda e inteira, na completude da expressão autêntica, sincera. Assim, o valor da obra passa a residir em algo que não
está nela objetiva e formalmente, e sim subjetivamente no seu autor – a sinceridade. Em outras palavras, o elemento de
avaliação estética não é estético.

Vê-se que esse conceito de gênio original reúne, de certa maneira, todos os conceitos, todas as idéias e aspirações do
Romantismo. Em seu âmbito fica compreendida particularmente a revolta radical contra as regras tradicionais,
canonizadas, do Classicismo, contra as “autoridades" clássicas, contra os padrões consagrados, porque o gênio,
evidentemente, não se deixa guiar por modelo nenhum; ele cria livre e espontaneamente; ele não se atém a norma
nenhuma, porque nem sequer conhece as normas. O gênio cria a obra com base numa explosão, num surto irracional de
sua emocionalidade profunda. E sua criação, por mais imperfeita que seja, na perspectiva das regras clássicas, será sempre a grande obra, porque exprime o estado de exaltação do criador com toda sinceridade, fato que constitui o valor máximo
nesse sentido.

O grande modelo, porque os românticos de certo modo também têm um modelo, mas um modelo de irregularidade, por
assim dizer, de desobediência e libertação em face do que vinha sendo preceituado e valorizado até então, é Shakespeare.
Este é concebido como um poeta bárbaro, cujo estro estava em comunicação direta com a divindade ou as fontes
profundas do “espírito”. Poder da natureza, na sua interioridade individual e grupal, pôde sobrepor-se a quaisquer cânones
ou peias tradicionais, criando graças ao seu gênio uma dramaturgia totalmente irregular, inusitada, “original”.
Shakespeare será o grande inspirador da literatura romântica, em particular, mas também da pintura e da música do
Romantismo. É só pensar em Delacroix, Chassérieu ou em Mendelssohn e Berlioz, que traduziram em composições
plásticas ou musicais sua atração pela temática shakespeariana.

Nesse sentido, o mestre inglês constituiu-se realmente numa espécie de paradigma romântico ou, pelo menos, no foco
reconhecido dos elementos de uma nova visão estética. Nela, a obra vale enquanto verdadeira e espontânea, expressão
imediata e não raciocinada da alma do poeta. O que prevalece agora não é propriamente o objeto criado, mas o ato de
criação e o sujeito criador. Há, pois, um deslocamento da ênfase valorativa, que passa da obra para o autor, a obra validase na medida. em que exprime o ser profundo do autor. Ocorre então uma certa depreciação do valor objetivo do produto
artístico, cuja importância se torna função do gênio que deve revelar-se como explosão subjetiva e não como perfeição
objetiva.

Então, esse gênio, um bardo ou um vidente, é porta-voz, por assim dizer, das mais altas esferas, o mensageiro divino, o
herói mediador do infinito em meio da finitude. Ele, na sua pequena obra de arte, de alguma forma expressa o cosmo que
está na sua alma. Tampouco imita a natureza, como o fazem as regras do Classicismo. É criador como se fosse em si a
natureza, porque ele é uma força natural, é gênio.
Tal concepção determina, sem dúvida, uma ruptura brutal com os cânones eruditos, que poderiam converter-se em
camisa-de-força da livre vazão do eu ciclópico, das inspirações emanadas de suas profundezas. Isso vai tão longe que um
poeta romântico como Musset diz que as palavras com as quais pretende exprimir-se o incomodam. Melhor seria fazê-lo
simplesmente através de lágrimas, que traduzem de maneira mais imediata e sincera os sentimentos, enquanto os signos
verbais sempre encerram algo de artificioso, um lastro de estrutura adicional. É preciso romper com isso, dar azo à emoção.

Transladando-se o acento da obra para o autor, salta para o primeiro plano, naturalmente, tudo quanto se relaciona com o
sujeito criador e sua vida. Daí o relevo que a “espécie biográfica” – como o disse Nietzsche – adquire no Romantismo. A
história pessoal, as paixões e traços de personalidade do artista passam a responder pela natureza e caráter da criação de
arte, A obra tende a ser confundida com o autor, num movimento inverso ao do Classicismo, que procura obliterar o autor
por trás da obra.

A esta altura, é possível assinalar, em oposição ao estilo clássico, alguns componentes fundamentais da criação romântica.
Se num prevalecia a serenidade, a ordem, o equilíbrio, a harmonia, a objetividade, a ponderação, a disciplina, agora
predomina, segundo Croce, a efusão violenta de efeitos e paixões, as dissonâncias, a desarmonia em vez da harmonia. O
subjetivismo radical derrama-se incontido, como já se viu na auto-expressão do artista. O ímpeto irracional, o gênio
original e a exaltação dionisíaca sobrepõem-se à contenção, à disciplina apolínea da época anterior, Prepondera o
elemento noturno, algo de selvagem e também de patológico, uma inclinação profunda para o mórbido, a ponto de Goethe
ter defendido o Classicismo como aquilo que é sadio e ter visto no Romantismo a encarnação do doentio.

A atração, entretanto, pelo que se coloca fora do “justo meio” não é apenas um traço estilístico na literatura e nas artes.
Vai muito além, invadindo todos os terrenos. Dá-se realmente uma revolução no sentimento de vida e na própria
cosmovisão. Não só a sua forma como o seu sentido deixam de girar em torno das colocações tradicionais. Ilustrativo, por
exemplo, é o que acontece no campo da ciência histórica. Os românticos têm um senso de história apurado. E parece
bastante evidente que devam tê-lo num grau bem maior do que a Ilustração, porque os racionalistas buscam em geral na
história o que há de comum em todos os seus eventos. O fenômeno singular não lhes interessa, uma vez que,
concentrando tudo na racionalidade, tendem a ver no particular somente aquilo que seja passível de universalização, ou
seja, aquilo que nele se pode conceituar. Ora, a história é justamente um domínio onde a sucessão fenomenal é altamente
individualizada. Em seu curso, nada se repete, cada fato é novo e sempre diferente, quando tomado em si e não em
contextos estruturais. Mas o senso do diferenciado, matizado e característico, que falta em boa parte ao racionalismo
ilustrado, o Romantismo o possui, e em alta dose, mesmo. Tanto assim que o individualismo num e noutro são de
natureza inteiramente distinta. Para o homem da Ilustração, ele se baseia na faculdade racional comum a todos os seres
humanos e que os torna essencialmente iguais. Se nem todos os homens têm o mesmo nível, não é por serem uns mais ou
outros menos dotados desta capacidade, pelo menos entre os que não estão afetados por deficiência orgânica, mas por
causa da educação, dos entraves sociais e outros fatores extrínsecos. Abolidos tais impedimentos, todos os homens
deverão aproximar-se da plena racionalidade. Suas potências racionais tornar-se-ão fato. Temos aí um idealismo que
podemos chamar de abstrato.

Pois bem, o idealismo romântico é de caráter totalmente diverso. Aqui, começa-se a valorizar o indivíduo naquilo que o
distingue de outro. E o que o distingue é sua situação social, sua sensibilidade específica desenvolvida num certo âmbito
nacional e em outros elementos particularizantes. Assim, na medida em que é salientado o papel dos matizes particulares,
o valor passa a recair no peculiar, naquilo que diferencia uma pessoa de outra, uma nação de outra, ou seja, na individualidade. No caso dos grupos nacionais, por exemplo, homens como Herder, Hamann, ambos pré-românticos,
viam-nos como sendo todos bons, mas diferentes, devendo manter tais especificidades, porque assim podiam entrar como
um instrumento à parte no concerto geral da humanidade. Essa maneira de ver converteu-se sem dúvida alguma no
fundamento da concepção propriamente romântica, que procura discernir as dessemelhanças entre os povos, destacandoas mesmo como expressão de qualidades intrínsecas e determinantes da fisionomia de cada conjunto, sem que de um
modo geral e direto isso implique em enfoque negativo, deformador ou preconceituoso em relação a outros grupos, pois
justamente a diferença singularizadora é que torna a existência e a contribuição de cada organismo nacional um
componente único e complementar no processo humano.

E esse individualismo que vai assim surgindo e que é muito importante, porque leva, de um lado, a uma psicologização de
tudo e, de outro, a uma caracterização cada vez mais pormenorizada, deixando de sublinhar o típico na arte para salientar o elemento particularizante, isto é, o que qualifica o ser dentro do contexto social e nacional – esse individualismo
constitui por certo uma tremenda mudança de enfoque, aproximando de certo modo o Romantismo. da perspectiva
realista, porque o romântico já se coloca numa óptica que divisa o indivíduo dentro de seu habitar sócio-histórico. Pode-se
dizer, por curioso que seja, que a sociologia moderna tem suas raízes no processo do Romantismo, assim como a própria
escola positivista de Comte as tem aí, indiscutivelmente.

O romântico, portanto, com o destaque que ele dá ao característico, àquilo que distingue o indivíduo dentro do quadro da sociedade, da nação, da classe em que se encontra, ou que individualiza estes “meios" da vida coletiva, abre caminho para
a ciência social, mas a sua preocupação básica não é de modo nenhum científica, pelo menos numa acepção estrita. O que
ele procura é configurar o homem dentro de um ambiente. Daí o seu constante interesse pela “cor local”.

O característico, que vai muitas vezes até o caricato e inclusive até o grotesco, é a categoria estética que se liga
especialmente, já por se contrapor frontalmente à tipicidade clássica, à expressão artística do Romantismo. Na sua
plasmação, entretanto, entra não apenas uma busca de singularidade, como também de totalidade. Com efeito, quando está de
braços com fenômenos e vistas de maior amplitude, o romântico, para caracterizá-los, não tenta retirar e abstrair seus
elementos, mas empenha-se sempre em captá-los em sua Ganzheit, “inteireza”, em sua Gestalt, “configuração”. Trata-se,
na verdade, de ver cada singularidade em seu contexto geral, cada ser humano na paisagem social que o enforma e
emoldura, relacionando-os por integração da parte no todo maior.

Mais uma vez, evidencia-se quão diverso é o modo romântico de mirar as coisas, em face do prisma do racionalismo
classicista. Um tira os elementos do contexto para focalizá-los. enquanto o outro se esforça para iluminá-los dentro de seu
quadro global. A partir desse ângulo, a recusa da preceituação normativa do Classicismo, por exemplo, vem a ser mais do
que uma simples rebeldia. Pois o romântico vê-se quase obrigatoriamente levado a pensar: se os cânones clássicos foram
estabelecidos na Grécia antiga (como se afirmava então) é porque serviam para o seu povo naquele momento, mas o
mesmo modelo não pode adequar-se a outra nação, com uma fisionomia coletiva diferente e em outra moldura histórica,
Como pois aceitar como regras eternas os ditames artísticos do Classicismo? Uma nova época, um novo contexto, uma
nova Gestalt exigem uma arte, um estilo, um ritmo distintos. Desse ponto de vista historicista, Herder escreveu um
trabalho onde mostra como Shakespeare tinha forçosamente que produzir uma dramaturgia totalmente diferente da
helênica, porque provinha de um outro cepo nacional, de uma sociedade muito mais complexa – achava Herder – e de um
gênio cultural, de um espírito, de uma alma popular que nada tinha em comum com os da nação em cujo seio medrara a
tragédia grega.

Mas, a essência do Romantismo, que rejeita o ideal harmônico da visão classicista, reside antes na contradição. Se de uma
parte, ele é presidido por um anseio radical de totalização e integração, numa comunidade quase utópica, de outra, opõe
aos padrões de toda sociedade – e não apenas a de Ilustração racionalista – a grande personalidade, o gênio fáustico,
prometêico, que não pode ajustar-se a quaisquer limitações e estruturas sociais. Sua irrupção na arte, além de um protesto
contra a tentativa de agrilhoar a força criativa do artista em uma legislação estética rígida, é um grito de libertação
anárquico no plano político e cultural.

Um eco particular desse brado encontra-se na peça de Schiller, Os Salteadores. Para se entender melhor o significado da
peça, na época, tomemos como ponto de referência o próprio autor, que era então um jovem médico militar. Eis como ele
se trajava, segundo uma descrição: uniforme muito apertado, de acordo com o antigo modelo prussiano; de ambos os
lados da cabeça, dois rolinhos de cabelos duros e engessados; um pequeno chapéu militar mal lhe encobre o vértice da
crânio, de onde pende uma grossa trança artificial; um laço estreito de crina de cavalo lhe estrangula o pescoço
extremamente comprido; as pernas, em feltro, metade sob as polainas brancas, parecem dois cilindros de um diâmetro
maior do que as coxas enfiadas em calças extremamente justas; nessas polainas – aliás manchadas de graxa – move-se o
poeta, sem poder flexionar os joelhos, andando como as cegonhas. Nestas condições, não é de admirar que Schiller tenha
aberto o colarinho da camisa, usando o famoso “Schillerkragen", e ao mesmo tempo que se libertava da sufocação do
traje, tenha composto o drama de exaltação ao bandido sublime, para aliviar a asfixia do espírito.
Karl Moor, o herói-bandido-nobre, que tira dos ricos para dar aos pobres, é a encarnação do herói romântico. Em tudo é o
oposto da existência restrita, acanhada e apertada do burguês e do cortesão. Livre, vigoroso, vive nas florestas da Boêmia,
em estreita ligação com a natureza, expressão completa dos ideais rousseaunianos, é a projeção de todos os sonhos de
liberdade schillerianos, inclusive os de liberdade política.

A peça de Schiller, apresentada em 1782, já é de fato uma explosão libertária. O relato do efeito que causou na platéia de
Mannheim, por ocasião da estréia, fala eloqüentemente do espírito da época, pois: o teatro parecia um hospício – olhos esbugalhados, punhos cerrados, gritos loucos no auditório, desconhecidos ameaçando-se entre soluços, mulheres a
desmaiar e partos precoces; uma dissolução, um caos, em cujas brumas nasce uma nova criação... e um novo espírito, que
é o da Revolução Francesa. Compreende-se, pois, que na França, sob a égide revolucionária, o autor e o texto tenham
gozado de grande popularidade. Os Salteadores eram de certo modo a concreção avant la lettre de seu clima e de suas
aspirações.

Mas a crítica romântica, já então, vai além do nível puramente político. A insatisfação com a sociedade desenvolve-se,
desde cedo, em restrição cultural, profunda e aguda. O próprio Schiller já começa a colocar o problema, que a partir de
Hegel e Marx irá ocupar um lugar cada vez mais relevante no pensamento social moderno. De fato, é com seus escritos
que surge o tema da alienação do homem. A essa luz, começa a emergir a figura do ser humano convertido em peça da
roda gigante da civilização e que por isso mesmo não pode mais desenvolver sua personalidade total. Ele é apenas uma
função mecânica, pervertido em sua essência por nossa civilização. Nota-se aí, evidentemente, o latejamento
rousseauniano, mas com uma percepção muito mais precisa e uma análise muito mais aguçada do fenômeno, a tal ponto
que toca diretamente a colocação atual da questão.

Quer dizer então que os românticos vêem, e no sentido mais profundo, o homem como um ser cindido, fragmentado,
dissociado. Em função disso, sentem-se criaturas infelizes e desajustadas, que não conseguem enquadrar-se no contexto
social e que tampouco querem fazê-lo porque a sociedade só iria cindi-las ainda mais. Entre consciente e inconsciente,
deveres e inclinações, trabalho e recompensa a brecha só poderia crescer, como parte de um afastamento cada vez maior
entre natureza e espírito. Daí o sentimento de inadequação social; daí a aflição e a dor que recebem o nome geral de “mal
du siècle”; daí a busca de evasão da realidade e o anseio atroz de unidade e síntese, que tanto marcam a “alma romântica".
Se o Romantismo se define, como querem muitos, pelo anelo de integração e completude, compreende-se que os tenha
procurado nas mais variadas latitudes do humano. Assim, os românticos tornaram-se uma espécie de andorinhas
espirituais – se se pode qualificá-los desta maneira – em busca de países exóticos e épocas remotas nas quais acreditam
encontrar a cultura integrada e a sociedade unificada com que sonham. A Idade Média não lhes interessa em si mesma,
mas por lhes parecer uma época sem fissuras, de inteireza total. De igual maneira, vasculham as terras “selváticas” porque
crêem descobrir aí um mundo primitivo e puro.

Superar as dissociações da cultura, transpor as divisões sociais, saltar as particularizações geo-históricas são, na
perspectiva romântica, as vias de acesso ao estado natural do homem, à sua inocência edênica. Mas a aspiração romântica,
na sua busca da unidade, elementar, não se detém nas projeções utópicas sobre o plano do processo sócio-cultural e
mesmo antropológico. No seu desenvolvimento, ela chega às alturas da comunhão cósmica. Unir-se e fundir-se
misticamente com o universo em sua infinitude é o sentido pleno da grande síntese. Numa das maiores obras poéticas da
literatura alemã, Novalis eleva os seus Hinos à Noite, porque, ao contrário da luz do dia, que separa e distancia as coisas,
dando-lhes formas distintas, nas trevas da noite, tudo se une e se alça na indistinção do supremo enlevo e bem. E o
conceito de noite se funde e confunde com o conceito de amor, e a idéia de amor, com a de morte. É a grande trindade
romântica – Noite, Amor e Morte – tal como ela surge, por exemplo, em Tristão e Isolda, de Wagner, conduzindo o
espírito peregrino do Romantismo em sua procura da comunidade inefável.

Precisamente por aí se pode ver quão longe está o romântico da esfera primitiva que ele tanto ama. No fim de contas, o
que prevalece em todas as suas manifestações é o sentimento e a consciência do paraíso perdido, mas irremediavelmente.

O infinito torna-se uma presença e um fantasma que assombram e angustiam com sua falta de fundo, de termo, com sua
abertura que se estende para o nada. Na poesia, por trás do arbítrio, do criador, de sua absoluta liberdade, é a informidade
básica do sem-fim que se apresenta como expressão essencial do Romantismo. Uma vez que o infinito não pode caber
numa forma, a obra não pode fechar-se formalmente, isto é, ser completa. Daí o freqüente caráter inacabado, fracionário,
da arte romântica. As formas menores, como o fragmento, o aforismo, o romance musical, tão cultivadas por ela,
traduzem estilisticamente essa captação fugaz de algo inapreensível na sua totalidade, que escapa infinitamente a toda
plasmação fixadora. Assim, A. W. Schlegel diz: “a poesia dos Antigos era a de posse: a nossa é a da saudade, de
expressão de anseios. Aquela – a poesia antiga – se ergue firme no chão da prosa; esta, a nossa, a romântica, floresce
entre recordações e pressentimentos”. Em outros termos, a arte romântica sonda o passado ou o futuro – a idade de ouro
primitiva ou então a visão áurea do porvir – mas nunca a atualidade prosaica. É uma evasão, um escapismo radical para o
mundo da imaginação. Mais do que isso, a realidade, para ela, reside no imaginário, ou é, inclusive, seu produto, como
quer Fichte, com sua imaginação criadora. Seja como for, a elaboração imaginativa e sensitiva adquire um primado de tal
ordem que é impossível formalizá-lo em obras artísticas com os antigos moldes de redução clássica, cujos limites ela
rompe e extravasa por sua própria natureza. “O ideário antigo – afirma ainda A. W. Schlegel – era a concórdia e o
equilíbrio perfeitos de todas as forças; a harmonia natural; os novos, porém – nós, os românticos – adquirimos a
consciência da fragmentação interna, que torna impossível esse ideal Por isso a poesia espera reconciliar os dois mundos
em que nos sentimos divididos – o espiritual e o sensível – e com todas as pluralidades que isto implica”. A questão é
amalgamar como forma, mas somente ao nível da expressão, pelo que se depreende das seguintes palavras do mesmo
autor: “Na arte e poesia gregas manifesta-se a unidade original inconsciente de forma e conteúdo; na nossa, procura-se a
interpenetração mais íntima de ambas; no entanto, ao mesmo tempo, elas permanecem apostas. Aquela – a poesia grega –
seleciona sua tarefa, pagando pela perfeição; esta, a nossa – a poesia romântica – só pela aproximação
infinita pode satisfazer seus anseias de infinito”.

Pode-se, portanto, concluir que, embora engajados na procura da unidade e da síntese, os românticos têm uma percepção
agudíssima da cisão que os domina. Por outro lado, em função disso e certamente por imposição de suas tendências,
empenham-se em alcançar a realização sintética não pela harmonização clássica, mas pela violência de movimentos
polares, pelo choque de contrastes, pela ênfase extrema das contradições e dos antagonismos. Esperam chegar à síntese,
por assim dizer, oscilando entre os elementos antitéticos e procurando então um ponto de aproximação infinita, para, num
salto, fundi-los, e a si também, dialeticamente. Não é à toa que Hegel e a dialética moderna surgem em seu contexto. Esse
movimento, do ponto de vista histórico, lógico e ideológico, é visceral no Romantismo.

Nestas condições, não há motivo de surpresa se os românticos, mesmo em seu quadro caracterológico, são assim
contraditórios, se num momento se entregam a um ardor extasiado e, noutro, logo a seguir, se envolvem em tristeza
mortal. Essa esquizotimia, por assim dizer, essa dissociação, repete-se o suficiente para denunciar um traço característico
e talvez corresponda até a uma configuração biotípica. Em todo caso, dando vazão a violentas oscilações de
temperamento, a arte romântica derruba, com sua paixão e exaltação, todos os cânones e padrões estilísticos que
cercavam o estro classicista, instaurando uma nova forma, descerrada, fundamento da moderna estética do informe. E que
tal visão começou com o Romantismo e é inerente a ele, torna-se mais do que manifesto no famoso “Prefácio” de
Cromwell. Aí, Victor Hugo frisa precisamente que o período romântico cria ou procura revelar a consciência do discorde
no homem e no próprio universo, justamente o contrário do Classicismo, que se afaina em captar a harmonia universal.
Por isso, a obra de arte que a exprime, o drama, deve unir luz e sombra, corpo e alma, o animalesco e o espiritual, A Bela
e a Fera, plasmando-os com as formas do grotesco e do sublime, pois “A poesia verdadeira, a poesia completa está na
harmonia dos contrários”.

Se a expressão da dissociação universal que caracteriza o ser humano, particularmente em nossa civilização, há de ser o
signo da arte verdadeiramente inspirada, compreende-se que a simbologia romântica esteja povoada de figuras desse
esfacelamento e fragmentação: sósias, duplos, homens-espelhos, homens-máscaras, personagens duplicadas em
contrafações e alienadas em sua humanidade. Todos eles são outras tantas concreções que realçam o caráter contraditório
e cindido do espírito artístico que as gerou. Na verdade, o romântico, enquanto batia o espaço e o tempo a procura de unidade
e  inocência, era perseguido por sua própria sombra desdobrada, pela consciência de ser um homem dividido,
estranhado, social e culturalmente. Reencontrar a inteireza é a meta da dialética de sua fuga.

Neste sentido, é muito típico o ensaio de Kleist sobre as marionetes, onde se diz que o homem, quando se mirou pela
primeira vez no espelho, reconhecendo a si mesmo, perdeu a inocência. Agora, ele quer descobrir o caminho de volta.
Para tanto, precisa comer mais uma vez da árvore do conhecimento, a fim de conquistar um grau de conhecimento infinito e alcançar de novo, pelo outro lado, o paraíso da inocência de uma segunda inocência.

O grande sonho dos românticos é a inocência, a segunda inocência que englobe ao mesmo tempo todo o caminho percorrido através da cultura, isto é, uma inocência que não seria mais primitiva, a do jardim do Éden, mas uma inocência sábia. É a famosa criança irônica de Novalis, um dos grandes símbolos do movimento romântico.
Copiado de:
http://www.unb.br/il/tel/Graduacao/romantismo/classicismo_romantismo.htm

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